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Alerta legal nº 57

No dia 2 de março de 2018, foi publicada, em Diário da República, a Lei n.º 8/2018, que instituiu o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE) e, consequentemente, substituiu o antigo Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE).

O escopo objetivo do RERE incide sobre negociações e acordos de reestruturação celebrados entre um devedor e um ou mais dos seus credores, entendendo-se por acordo de restruturação, o acordo com vista à alteração da composição, condições ou estrutura do ativo ou passivo de um devedor ou de qualquer outra parte da sua estrutura de capital.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º da referida Lei, para a celebração de negociações ou acordos de reestruturação é condição essencial que os participantes manifestem, expressa e unanimemente, a vontade de submeter essas negociações ou acordos ao RERE.

Paralelamente, o RERE tem como âmbito subjetivo os devedores que possam ser sujeitos passivos da declaração de insolvência, por força do disposto no n.º 1 do artigo 2.ºdo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) - excetuando as pessoas singulares que não sejam titulares de empresas – e que, cumulativamente, se encontrem em situação económica difícil ou de insolvência iminente.

Não obstante o âmbito do subjetivo do RERE se concentrar na relação devedor/credor(es), cumpre referir que é possível que intervenham no mesmo os titulares de garantias sobre bens do devedor, mesmo não sendo seus credores, bem como os respetivos sócios, ao abrigo do disposto nos ns.º 5 e 6 do artigo 3.º da Lei ora aprovada.

A negociação do acordo de reestruturação tem natureza voluntária, assegurada pelo artigo 4.º da Lei em apreço, possibilitando ao devedor a convocação de todos ou apenas de alguns dos seus credores, dependendo do que considerar mais adequado para alcançar o acordo de reestruturação, sem prejuízo de qualquer credor poder aderir livremente à negociação (cf. n.ºs 5 e 6 do artigo 7.º da referida Lei).

De notar também que o processo negocial é, por regra, confidencial, sem prejuízo das partes poderem acordar, por unanimidade, a sua publicidade, nos termos do disposto no artigo 8.º da Lei ora aprovada.

Assim sendo, a negociação deve começar pelo acordo do protocolo de negociação, cujo conteúdo, embora estabelecido livremente entre as partes, deve conter os seguintes elementos:

  1. Identificação completa do devedor, dos credores participantes, dos representantes do devedor e dos representantes dos credores para efeitos do RERE;
  2. Prazo máximo acordado para a negociação, não podendo, em todo o caso, exceder o período máximo de três meses, contado da data em que foi requerido o depósito do protocolo na Conservatória do Registo Comercial;
  3. Passivo total do devedor;
  4. Responsabilidade pelos custos inerentes ao processo negocial, incluindo o custo com a acessoria técnica, financeira e legal, e modo de repartição dos mesmos;
  5. Acordo relativo à não instauração pelas partes de processos judiciais de natureza executiva contra o devedor no decurso do prazo acordado para as negociações; e
  6. Data e assinaturas reconhecidas.

Uma vez terminadas as negociações, o protocolo de negociação deve ser depositado na Conservatória do Registo Comercial, produzindo assim os efeitos adstritos ao devedor e aos credores.

Concomitantemente, o devedor fica obrigado a manter o curso normal do seu negócio e a não praticar atos de especial relevo, tal como definidos nos ns.º 2 e 3 do artigo 161.º do CIRE, exceto se previstos no referido protocolo ou se previamente autorizados por todos os credores, diretamente ou através do comité de credores.

No que concerne aos credores, destaca-se a obrigação de não se desvincularem dos compromissos assumidos no protocolo de negociação sem que tenha decorrido o prazo máximo previsto para as negociações.

Na eventualidade de considerarem não existirem condições para prosseguir com as negociações, tanto o devedor como os credores devem comunicar esta decisão a todos os que subscreveram e aderiram ao protocolo de negociação e requerer o depósito da comunicação em causa na Conservatória do Registo Comercial.

Adicionalmente aos efeitos descritos, do depósito do protocolo de negociação resulta ainda a imediata suspensão dos processos de insolvência (caso esta ainda não tenha sido declarada), bem como das ações executivas para pagamento de quantia certa e das ações destinadas a exigir o cumprimento de ações pecuniárias.

Uma vez depositado o protocolo de negociação, é elaborado o acordo de reestruturação, cujo conteúdo, à semelhança daquele, é estipulado livremente pelas partes, podendo conter os termos da reestruturação da atividade económica do devedor e sendo suscetível de incidir sobre a totalidade ou parte dos créditos detidos pelos credores nele participantes.

O acordo de reestruturação deve ainda ser acompanhado de uma declaração emitida por um revisor oficial de contas a atestar que, à data, a sociedade não se encontrava insolvente, bem como por uma lista de todas as ações judiciais em curso contra o devedor.

As negociações do acordo de reestruturação terminam, nomeadamente, com o depósito do acordo de reestruturação na Conservatória do Registo Comercial, data a partir da qual se produzem de forma imediata os efeitos do mesmo, efeitos esses que se subdividem em três categorias - (i) efeitos sobre as garantias, (ii) efeitos processuais e (iii) efeitos fiscais.

No que concerne aos efeitos sobre as garantias, o artigo 24.º da Lei ora aprovada dispõe que, se o acordo de reestruturação afetar garantias preexistentes, o consentimento dos respetivos beneficiários deve constar como anexo ao próprio acordo. Se, ao invés, se constituírem novas garantias, devem observar-se as devidas formalidades legais, constando como anexo todos os documentos comprovativos de tais operações.

Quanto aos efeitos processuais, salienta-se a imediata extinção dos processos judiciais declarativos, executivos ou de natureza cautelar que respeitem a créditos incluídos no acordo de reestruturação e no processo de insolvência – desde que a mesma ainda não haja sido declarada.

Os efeitos fiscais consistem na concessão às partes dos benefícios previstos nos artigos 268.º a 270.º do CIRE, desde que o acordo de reestruturação compreenda a reestruturação de créditos correspondentes a, pelo menos, 30% do total do passivo não subordinado do devedor.

Por fim, cumpre ainda realçar que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do  artigo 30.º, o incumprimento do acordo de reestruturação por qualquer das partes, na falta de previsão das respetivas consequências, confere à parte não faltosa o direito de resolução desse acordo, ainda que essa resolução não produza efeitos retroativos.

A presente Lei entrou em vigor no dia 3 de março de 2018.

Para aceder ao texto integral da Lei n.º 8/2018, por favor clique aqui.

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