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Serão as corretoras tão seguras como os bancos no que respeita a investimentos? Afinal, onde está o meu dinheiro investido?
Joana Veludo, Associada da CTSU, a Deloitte Legal Practice em Portugal, partilha a sua opinião no Daily New Capital.
O que são corretoras?
Degiro, Etoro, XTB, Trading 212, Interactive Brokers são alguns exemplos de corretoras conhecidas no mercado como low-cost. Outras plataformas de negociação são aquelas que conhecemos como associadas a determinadas instituições de crédito, como a Gobulling (Banco Carregosa), Invest Btrader (Banco Invest), Bankinter Broker (Bankinter), Big Trader 24 (Banco de Investimento Global) e Revolut Trading (Revolut).
O que as distingue? E como posso verificar a sua credibilidade? Vamos desmistificar.
Os intermediários financeiros são as entidades através das quais o investidor transaciona (compra e vende) os instrumentos financeiros na bolsa de valores. São os casos designadamente das corretoras e dos bancos. As corretoras são, assim, os intermediários financeiros que gerem as ordens de compra e de venda dos investidores, atuando na qualidade de intermediário entre o comprador e o vendedor.
Nos termos legais, para o exercício profissional de qualquer atividade de intermediação financeira, entre as quais está a atividade de investimento, as entidades necessitam de estar legalmente habilitadas para o efeito.
Para tal, as entidades que pretendam exercer atividades de intermediação financeira em Portugal têm sempre de cumprir dois requisitos: (i) obter uma autorização concedida por uma autoridade competente e (ii) realizar um registo prévio na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”).
Assim, antes de escolher uma corretora (e como um dos primeiros passos) o investidor deverá verificar se essa entidade está autorizada a exercer atividade em Portugal e, para tanto, consultar a lista de intermediários financeiros autorizados e de entidades habilitadas a prestar serviços financeiros em Portugal em regime de livre prestação de serviços (“LPS”), no site da CMVM.
Caso a entidade em que o investidor pretenda investir não faça parte integrante destas listas, então essa entidade não se encontra habilitada a exercer as atividades de intermediação em Portugal, nem está sujeita à supervisão da CMVM ou ao sistema de proteção dos investidores.
Uma nota adicional. Na qualidade de supervisora, a CMVM alerta os investidores sempre que tenha conhecimento de alguma entidade não autorizada nem registada, junto da mesma, para o exercício de atividades de investimento. Só em 2020, a CMVM emitiu 45 alertas sobre entidades não autorizadas!
A CMVM disponibiliza, de igual forma, um canal de Apoio ao Investidor, por contacto telefónico 800 205 339 (linha verde), ou por e-mail para cmvm@cmvm.pt.
Por fim, vamos a dois exemplos práticos para o investidor (um nacional e outro europeu).
A XTB (“X-Trade Brokers Dom Maklerski S.A. – Sucursal em Portugal”) tem no rodapé do seu site a informação de que está registada na CMVM sob o n.º 341. No site da CMVM conseguimos confirmar essa informação e ainda ter acesso às atividades de intermediação autorizadas, entre as quais: a receção e a transmissão de ordens por conta de outrem, a execução de ordens por conta de outrem, o registo e depósito de instrumentos financeiros.
A Degiro, no separador do seu site relativo a governance, dá-nos a conhecer que tem sede na Holanda e que está autorizada pela Autoridade Holandesa para os Mercados Financeiros (“AFM”). Através de uma visita ao regulador holandês conseguimos, à semelhança do que acontece com o regulador nacional, confirmar o registo e licença da entidade e as atividades autorizadas. Em Portugal, está igualmente registada na CMVM, informação essa que é visível na segunda lista supra referida, das entidades autorizadas à atividade de intermediação ao abrigo da LPS. Em vez do Sistema de Indemnização aos Investidores (“SII”), do qual falaremos em seguida, vigora a proteção concedida pelo Esquema de compensação de investidores holandês (Beleggerscompensatiestelsels).
Verificada a licença da corretora, o investidor poderá continuar o seu processo de comparação das corretoras, por exemplo, pelo prisma dos custos e encargos associados.
Garantias do Investidor
Aqui chegados, vejamos então quem tem o dinheiro dos investidores.
A carteira do investidor é composta por um lado, pelos depósitos (o dinheiro por investir ou proveniente de dividendos) e, por outro, pelos títulos (instrumentos financeiros).
No caso de um intermediário financeiro (seja ele um banco ou uma sociedade corretora), entrar em falência ou numa situação que não lhe permite restituir ou reembolsar os seus investidores, cada investidor estará protegido pelo SII do país do intermediário financeiro (no caso português, pelo SII, criado pelo Decreto-Lei n.º 222/99, de 22 de junho, que funciona junto da CMVM).
Em Portugal, o montante máximo de proteção ao investidor é uma indemnização de €25.000, independentemente do número de contas de que o investidor seja titular, do número de titulares dessas contas ou do número de intermediários financeiros em que invista. O SII garante a cobertura simultaneamente dos depósitos dos investidores e dos seus instrumentos financeiros (elencados na secção C do anexo I à Diretiva 2014/65/CE de 15 de maio, entre os quais estão as ações, obrigações e unidades de participação).
Ouviu falar em Fundo de Garantia de Depósitos e não em SII? Explico-lhe porquê. No caso de investir através do seu banco, o investidor terá (pelo menos) dois tipos de contas abertas: uma conta de depósitos e uma conta de títulos. Acredito que todo o leitor tenha uma conta de depósito à ordem ou ordenado (ou até de serviços mínimos bancários) no banco. Ora, essa conta é protegida pelo Fundo de Garantia de Depósitos, até ao montante máximo de €100.000,00. Esse Fundo foi criado pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”) e aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de dezembro. No caso da conta de títulos, a proteção é conferida pelo SII, nos termos acima expostos.
Estes dois sistemas de proteção têm origem em legislação e regulamentação europeias, pelo que, mesmo investindo através de intermediários financeiros europeus, beneficiará de um regime de proteção mínimo de € 20.000 (no caso de instrumentos financeiros) e € 100.000 (no caso de garantias de depósitos). Para os mais curiosos, vejam as Diretivas n.º 2014/49/UE (sistemas de garantia de depósitos) e n.º 97/9/CE (sistemas de indemnização aos investidores) e demais regulamentação conexa.
Como pode o investidor requerer a restituição de fundos ou instrumentos financeiros que lhe pertencem aquando da falência de uma corretora? Vejam o caso português da Orey Financial – Instituição Financeira de Crédito, S.A., que estava autorizada à atividade de intermediação financeira e entrou em liquidação judicial, em especial as perguntas e respostas frequentes da CMVM ao investidor.
Os fundos monetários investidos em entidades não habilitadas, nos termos já referidos, não estão abrangidos pelos sistemas de garantia que protegem os depósitos ou de indemnização aos investidores. Também por esse motivo devem os investidores estar alerta para não entregarem quaisquer depósitos a entidades que não estejam elencadas nas já mencionadas listas de entidades autorizadas.
Uma nota final. Pode acontecer que o intermediário utilizado pelo investidor não preste, no âmbito dos seus serviços, a custódia dos instrumentos financeiros, mas somente a atividade de corretagem. Isto é, não atua como “depositário” das ações, por exemplo. Nesse caso, há duas entidades: um intermediário que executa a atividade de corretagem, e outro intermediário, que executa a atividade de custódia (o serviço de registo e depósito de instrumentos financeiros).
Em síntese, a lupa legal para o investidor: acautele-se e avalie onde está sediada a corretora em que pretende investir, a respetiva licença e claro, não descore o seu preçário (mas isso é, por si só, outro tema para uma lupa legal).