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O Mecanismo Nacional Anticorrupção e o novo regime geral de prevenção da corrupção

No passado dia 9 de dezembro, foi publicado o Decreto-Lei n.º 109-E/2021 que procedeu à criação do Mecanismo Nacional Anticorrupção (doravante “MENAC”) e estabeleceu o regime geral de prevenção da corrupção (doravante “RGPC”).

Este decreto-lei procede ainda à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 276/2007, de 31 de julho que aprovou o regime jurídico da atividade de inspeção da administração direta e indireta do Estado.

A publicação deste decreto-lei e dos objetivos e estratégias promovidas pelo mesmo, decorre da “Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024” aprovada em Resolução de Conselho de Ministros n.º 37/2021 de 6 de abril.

Assim, é criado o MENAC uma “entidade administrativa independente, com personalidade jurídica, de direito público e com poderes de autoridade, dotada de autonomia administrativa e financeira” que tem, como principais funções, a promoção de transparência e da integridade da ação pública e a garantia da efetividade de políticas de prevenção da corrupção e infrações conexas, inclusive, a promoção e controlo da implementação do RGPC.

Para o desenvolvimento destes objetivos, são conferidos poderes de iniciativa controlo e de sanção, e a entidade é dotada de autonomia administrativa e financeira. No que diz respeito à sua orgânica, o MENAC é composto pelo Presidente, Vice-Presidente, Conselho Consultivo, Comissão de Acompanhamento e Comissão de Sanções.

Paralelamente, em anexo a este decreto-lei é aprovado o RGPC que prevê um conjunto relevante de obrigações e deveres a que estão vinculadas as seguintes entidades (doravante “entidades abrangidas”):

·         Pessoas coletivas com sede em Portugal que empreguem 50 ou mais trabalhadores;

·         Sucursais em território nacional de pessoas coletivas com sede no estrangeiro que empreguem 50 ou mais trabalhadores;

·         Os serviços e as pessoas coletivas da administração direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais e do setor público empresarial que empreguem 50 ou mais trabalhadores; e

·         Entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo.

Neste contexto, o conceito de corrupção e infrações conexas corresponde aos crimes de corrupção ao recebimento e oferta indevidos de vantagem, peculato, participação económica em negócio, concussão, abuso de poder, prevaricação, tráfico de influência, branqueamento ou fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, previstos no Código Penal.

Este regime impõe às entidades abrangidas a adoção e implementação de um plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas (doravante “PRR”), um código de conduta, um programa de formação e um canal de denúncias de forma a prevenir, detetar e sancionar atos de corrupção e infrações conexas. Adicionalmente, devem nomear um elemento da sua direção superior ou equiparado como responsável pelo cumprimento normativo.

Na implementação dos PRR, as entidades devem contemplar:

·         A identificação das áreas de atividade da entidade com risco de prática de atos de corrupção e infrações conexas;

·         A probabilidade da ocorrência e o impacto previsível de cada situação;

·         Medidas preventivas e corretivas que permitam reduzir a probabilidade de ocorrência e o impacto dos riscos e situações identificadas;

·         Nas situações de risco elevado ou máximo, as medidas de prevenção mais exaustivas, sendo prioritária a respetiva execução;

·         A designação do responsável pela execução do plano, que poderá ser o responsável pelo cumprimento normativo.

A entidade deve proceder à autoavaliação do seu PRR e elaborar obrigatoriamente:

·         Relatório de avaliação intercalar nas situações identificadas de risco, no mês de outubro; e,

·         Relatório de avaliação, a apresentar no mês de abril do ano seguinte a que respeita, identificando o grau de implementação das medidas preventivas e corretivas identificadas, bem como, a previsão da sua plena implementação.

Estas entidades devem adotar um código de conduta que estabelece o conjunto de princípios e regras de atuação aplicáveis a todos os dirigentes e trabalhadores em matéria de ética profissional. Este código deve conter, pelo menos, as sanções disciplinares e criminais previstas na lei e associadas aos atos de corrupção e infrações conexas.

O PRR e o código de conduta devem ser objeto de revisão a cada três anos ou sempre que ocorra uma alteração nas atribuições ou na estrutura orgânica ou societária da sociedade que justifique a revisão dos elementos. Simultaneamente, o PRR e o código de conduta devem ser divulgados aos trabalhadores, bem como, disponibilizados na página oficial na Internet no prazo de 10 dias contados desde a sua implementação e respetivas revisões ou elaboração.

As entidades abrangidas devem dispor de canais internos de denúncia de atos de corrupção e infrações conexas, obrigação que decorre do quadro europeu legislativo relativo à proteção de pessoas que denunciam violações do direito da União ou “whistleblowers”.

Por último, as entidades abrangidas asseguram a implementação de programas de formação interna a todos os seus dirigentes e trabalhadores de forma a dar conhecer as políticas e procedimentos internos de prevenção de corrupção, com a periodicidade adequada à exposição aos riscos identificados de corrupção.

Ao incumprimento destas obrigações está associado um regime contraordenacional com coimas entre os € 2.000,00 e 44.891,81 tratando-se de pessoa coletiva ou entidade equiparada, e até € 3.740,98 para as pessoas singulares. Estes montantes reverterão para o Estado e para o MENAC.

No que diz respeito às obrigações especialmente previstas para as entidades públicas, destacamos: deveres de divulgação obrigatória da informação relativa ao seu funcionamento e atividade de forma a promover a transparência administrativa; a adoção de medidas adequadas a assegurar a isenção, imparcialidade e prevenir situações de favorecimento ou conflitos de interesses; a adoção de um sistema de controlo interno proporcional à natureza, dimensão e complexidade da entidade, bem como, o dever de adoção de medidas adequadas a promover a concorrência em sede de contratação pública.

A introdução deste decreto-lei na ordem jurídica portuguesa, é, por isso, um passo relevante no estabelecimento de um sistema eficaz de prevenção da corrupção em Portugal em par com o sistema repressivo previsto no Código Penal.

A Lei n.º 54/2008 de 4 de setembro é revogada com a publicação deste diploma.

O decreto-lei entra em vigor 180 dias após a sua publicação, com as seguintes exceções:

·         O desencadeamento de sanções pelo incumprimento das obrigações previstas no RGPC só poderá ocorrer um ano após a entrada em vigor do presente decreto-lei para a generalidade das entidades abrangidas, e dois anos após a entrada em vigor do decreto-lei para as entidades que sejam consideradas como médias empresas, de acordo com os critérios previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 327/2007, de 6 de novembro;

·         O Conselho de Prevenção da Corrupção será dissolvido com instalação do MENAC.

 

Para aceder à versão integral do Decreto-Lei n.º 109-E/2021 de 9 de dezembro, clique aqui.

 

Para mais informações sobre este tema, queira entrar em contacto com:

Miguel Silva Cordeiro 

Responsável pelas áreas de Direito Bancário e Financeiro

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