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Transposição da diretiva relativa a direitos dos acionistas de sociedades cotadas (SRD II ou Diretiva dos Acionistas II)

Alerta Legal n.º 124 - Transposição da diretiva relativa a direitos
dos acionistas de sociedades cotadas (SRD II ou Diretiva dos Acionistas II)

2017/828 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017 , relativa a direitos dos acionistas de sociedades cotadas no que concerne ao seu envolvimento a longo prazo (a Shareholders Rights Directive II ou SRD II, de ora em diante, a “Diretiva dos Acionistas II”) que vem introduzir uma série de alterações e/ou aditamentos ao (i) Código dos Valores Mobiliários (de ora em diante “CVM”); ao (ii) Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo (de ora em diante “RJOIC”) e ao (iii) Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (de ora em diante “RGICSF”) (de ora em diante a “Lei n.º 50/2020, de 25 de agosto”).

I. Alterações e Aditamentos ao Código dos Valores Mobiliários

A Lei n.º 50/2020, de 25 de agosto, vem aditar ao CVM novas regras com impacto sobretudo para as sociedades emitentes de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado, isto é, para as sociedades cotadas; para os investidores institucionais, para os intermediários financeiros, para os gestores de ativos e para os consultores em matéria de votação (proxy advisors ou voting advisors), em especial nas seguintes matérias que analisaremos nos parágrafos seguintes.
No que respeita à identificação dos acionistas, prevê-se a possibilidade de as sociedades cotadas solicitarem à entidade gestora do sistema centralizado informação relativa à identidade e à participação detida pelos seus acionistas, devendo os intermediários financeiros participantes no sistema centralizado responder imediatamente à respetiva solicitação (artigo 29.º-B do CVM).

1) A qual, por sua vez veio alterar a anterior Diretiva 2007/36/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007.

No tocante às transações efetuadas pelas sociedades cotadas com partes relacionadas, estas estão agora sujeitas a novas regras legais acerca do respetivo processo de aprovação interno e da sua divulgação.

O novo artigo 249.º-A do CVM vem agora impor que as sociedades cotadas definam um procedimento interno aprovado pelo órgão de administração, com parecer prévio do órgão de fiscalização, mediante o qual este avalie, periodicamente, se as transações com partes relacionadas são realizadas no âmbito da atividade corrente da sociedade e em condições de mercado. As transações que não cumpram estes requisitos são sujeitas a aprovação do órgão de administração, precedida de parecer do órgão de fiscalização, bem como da obrigatoriedade de divulgação quando o seu valor seja igual ou superior a 2,5% do ativo da sociedade, salvo quando aplicável alguma isenção.
Relativamente à matéria da política de remuneração dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das sociedades cotadas, prevê-se agora a obrigatoriedade de estas sociedades definirem e divulgarem uma política de remunerações daqueles órgãos aprovada pela assembleia geral, bem como a obrigatoriedade da preparação, pelo órgão de administração, de um relatório anual sobre remunerações (o qual pode ser substituído por um capítulo do relatório anual sobre governo societário), a submeter à apreciação da assembleia geral e igualmente a divulgar. Note-se que algumas destas alterações estão em linha com as recomendações do Instituto Português de Corporate Governance, sendo de salientar como principais particularidades não apenas em relação a estas recomendações, mas também em relação ao quadro legal e regulamentar em vigor, os seguintes pontos:


(i) a proposta de política de remunerações é submetida a aprovação da assembleia geral pelo menos de quatro em quatro anos e, em caso de alteração relevante, ou de não aprovação na assembleia geral anterior, passa a ter o conteúdo alargado previsto no disposto no artigo 26.º-C do CVM . De acordo com o disposto no novo artigo 26.º-F do CVM até à aprovação desta política de remuneração pela assembleia geral, as práticas remuneratórias existentes mantêm-se em vigor e a política de remuneração aprovada pela assembleia geral que esteja em vigor mantém-se até a assembleia geral aprovar uma nova politica de remuneração ;


(ii) quanto ao Relatório Anual sobre Remunerações, nos termos do disposto no novo artigo 245.º-C do CVM são ampliados e desenvolvidos os requisitos de transparência, abrangendo-se a título exemplificativo, a variação anual da remuneração, do desempenho da sociedade e da remuneração média de trabalhadores em termos equivalentes a tempo inteiro da sociedade, excluindo os membros dos órgãos de administração e de fiscalização, durante os últimos cinco exercícios, apresentadas em conjunto e de modo a permitir a sua comparação (alínea c); ou o número de ações e de opções sobre ações concedidas ou oferecidas, e as principais condições para o exercício dos direitos, incluindo o preço e a data desse exercício e qualquer alteração dessas condições (alínea e).


As novas disposições legais visam também promover a participação dos acionistas, definindo e implementando procedimentos específicos no que respeita às assembleias gerais das sociedades cotadas. Entre estas são de salientar as seguintes:


(i) O voto eletrónico (novo artigo 22.º-A do CVM), tema que tem um impacto relevante, sobretudo no atual contexto da pandemia causada pelo vírus COVID-19. Consagra-se a obrigatoriedade de a sociedade e o intermediário financeiro que atue como representante do acionista, de forma acessível e gratuita, enviarem a quem exerceu o voto eletrónico uma confirmação da receção dos votos expressos por essa via;
(ii) A transmissão de informações relevante pelas sociedades cotadas para efeitos de exercício de direitos pelos acionistas, direitos inerentes à sua qualidade de sócio. Nos termos do disposto no novo artigo 29.º-C estabelece-se a obrigatoriedade destas sociedades disponibilizarem aos intermediários financeiros, através da entidade gestora do sistema centralizado, informações padronizadas necessárias para o exercício pelos acionistas dos direitos inerentes às suas ações ou um aviso com referência ao local do sítio da internet onde podem ser encontradas essas informações;
(iii) A facilitação do exercício dos direitos dos acionistas, estabelecendo-se que os intermediários financeiros que prestam serviços de registo e depósito de instrumentos financeiros devem tomar as medidas necessárias para que os acionistas das sociedades cotadas possam exercer os seus direitos inerentes às ações, designadamente o de votar e participar nas assembleias gerais, entre outros (novo artigo 29.º-D do CVM);
Uma palavra ainda sobre a matéria e a política do envolvimento dos investidores institucionais e dos intermediários financeiros que prestem serviços de gestão de carteiras (artigo 251.º -B) estipulando-se que estes elaborem e divulguem uma política de
envolvimento que descreva o modo a como integram o envolvimento dos acionistas na sua estratégia de investimento, bem como informação sobre a aplicação dessa política e o seu sentido de voto nas assembleias gerais das sociedades cotadas em que detêm ações (para além das regras em matéria de conflitos de interesses a que se acham sujeitos). Os investidores institucionais passam também a divulgar os principais elementos da sua estratégia de investimento em ações de sociedades cotadas e acordos com gestores de ativos.

É também de ressaltar a matéria relativa à transparência dos gestores de carteiras e dos consultores em matéria de
votação (artigo 251.º-D e artigo 251.º-E) prevendo-se agora que, no caso
dos gestores de carteiras, estes informem anualmente os investidores
institucionais sobre a forma como a sua estratégia de investimento e a sua
execução respeitam os acordos que tenham estabelecido e, no caso dos consultores em matéria de votação, que
estes divulguem ao público informação sobre o seu código de conduta, sobre a
preparação dos seus estudos, sobre pareceres e recomendações de voto e sobre
eventuais conflitos de interesses[1].

Por último, e no que respeita ao CVM, de referir também a alteração ao
disposto nos artigos 85.º, 93.º, 222.º-A, 359.º, 390.º, 392.º, 394.º, 397.º e 400.º deste diploma legal, e, em particular a consagração de algumas disposições sancionatórias essencialmente relacionadas com as matérias tratadas pela Lei n.º 50/2020, de 25 de agosto.

II. Aditamento ao Regime
Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (Artigos 92.º-A a 92.º C RGOIC)

[1] Para além de ficarem sujeitos a deveres de
informação perante a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

Relativamente ao RJOIC, e, de acordo com determinados parâmetros, a Lei n.º 50/2020, de 25 de agosto, vem aditar uma nova subsecção relativa à transparência das sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo e sociedades de investimento coletivo autogeridas autorizadas para o exercício das atividades de gestão de tais organismos e de gestão discricionária e individualizada de carteiras por conta de outrem (salvo algumas exceções) – artigos 92.º-A a 92.º C RGOIC, por remissão para algumas das novas disposições do CVM e o que aí se regula relativamente:

(i) à política de envolvimento dos acionistas na sua estratégia de investimento;


(ii) às regras de conflito de interesses às atividades dessas entidades nas sociedades cotadas; e

(iii) aos deveres de transparência previstos no CVM, incluindo a divulgação de informação juntamente com o respetivo relatório e contas anual.

III. Alterações ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras

As alterações introduzidas ao RGICSF são mais parcas e dizem apenas respeito a temas sancionatórios. De acordo com o disposto na nova alínea qq), agora aditada ao n.º 1 do art. 211.º do RGICSF, passa a constituir infração especialmente grave o incumprimento das regras relativas a práticas e políticas remuneratórias constantes do RGICSF, assim como a omissão de realização de divulgações obrigatórias referentes às mesmas.
IV. Revogação da Lei n.º 28/2009, de 19 de Junho que estabeleceu o regime de aprovação e de divulgação da política de remuneração dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das entidades de interesse público e procedeu à revisão do regime sancionatório para o sector financeiro em matéria criminal e
contra-ordenacional.

V. Entrada em Vigor

A Lei n.º 50/2020, de 25 de agosto entrou em vigor no dia 26 de Agosto de
2020, com exceção de alguns dos novos preceitos relacionados com confirmações dos votos expressos por via eletrónica, identificação dos acionistas, transmissão de informações relevantes para acionistas e facilitação do exercício dos direitos dos acionistas, que entrarão em vigor no próximo dia 3
de Setembro de 2020.

Note-se que é também a 3 de Setembro que entra em vigor o Regulamento de
Execução (UE) 2018/1212 da Comissão, de 3 de Setembro de 2018, que estabelece
os requisitos mínimos no que diz respeito à identificação dos acionistas, à
transmissão de informações e à facilitação do exercício de diretos dos
acionistas, incluindo os quadro-modelo a serem utilizados para esse fim.

Para aceder ao texto integral da Lei n.º 50/2020, de 25 de agosto, por
favor clique aqui.

Para mais informações sobre este tema, queira encontrar em contacto com:

Joana Pereira Dias

+351 219 245 010

joanapdias@ctsu.pt

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